segunda-feira, julho 17, 2006

The Road to Guantanamo

Não acredito na justificação para a viagem ao Afeganistão dada pelo grupo de britânicos de origem paquistanesa que fazem a história de "The Road to Guantanamo". A desculpa do casamento ainda escapa, mas o resto... poupem-me! Tenho em mim que a ideia inicial de Shafiq e companhia era no mínimo mandar uns pedregulhos contra uns blindados americanos que lhes aparecessem pela frente, mas a coisa correu muito mal. O Afeganistão é bastante diferente da sua Birmingham natal e rapidamente foram apanhados num turbilhão de refugiados e de combatentes que ultrapassava a sua compreensão. O seu desespero era tal que a sua captura pelo exército americano constituiu um efémero momento de alívio.

Mesmo que esta fosse a verdadeira justificação da sua viagem ao Afeganistão, isto nunca faria de Shafiq e companhia um grupo de terroristas e muito menos justificaria o tratamento animalesco que sofreram em Guantanamo.

Em Guantanamo tudo é chocante. E o mais chocante nem é essa tortura animalesca, humilhante, desproporcionadamente ridícula, sádica, vingativa, sobretudo vingativa, que despe homens da sua intimidade, expondo a sua mente e os seus corpos aos olhares de todos os presentes e às picadas dos escorpiões venenosos que por ali vagueavam. O sádico nome atribuído ao primeiro dos campos de prisioneiros designado X-Ray (já encerrado), era isso mesmo, era um raios X completo ao corpo e ao espírito. Um em cada seis detidos de Guantanamo sofre de graves problemas psicológicos. O mais chocante de Guantanamo é percebermos que a administração que governa hoje um país que foi um dos pioneiros da democracia como a conhecemos hoje, demonstrar, ali naquele lugar, que não acredita nessa mesmo democracia, que confunde vingança com justiça, que faz chacota do estado de direito. Em X-ray, Iguana, Camp Delta e Camp 4 a tortura é um modo de vida e não apenas quaisquer duas horas de pancadaria diária num gabinete escuro de um regime policial ou militar, ali a tortura é permanente, é a incerteza de saber se algum dia se será julgado, se algum se será condenado, , se algum dia será preciso cumprir uma pena de prisão, é aquilo a que Bernard-Henri Lévy chamou muito acertadamente de Incerteza Metódica. A inquietude permanente provocada pela ausência de horizontes aliada à frieza de uma tortura meticulosamente organizada é uma velha fórmula conhecida para matar por dentro aqueles que não se podem matar de formas mais convencionais.

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