terça-feira, outubro 17, 2006

Insurgente: ignorância científica e aquecimento global



Como a questão ideológica de usar o aquecimento global como arma de arremesso política foi definitivamente perdida no plano científico - o gráfico acima publicado na Nature foi o xeque-mate à fraude científico-política que visava negar a relação entre aquecimento global e a concentração de gases de efeito de estufa - resta a fuga para a frente a retalho, para tentar pequenas vitórias que salvem a face da argolada política. Este texto do Insurgente é um exemplo dessas pequenas fugas para a frente que revelam bastante ignorância e uma teimosia no erro confrangedora. O texto revela bastante ignorância porque insinua que os "consensos científicos flutuam" baseado num artigo da revista Times de 1974 em que se alertava para uma nova idade do gelo relativamente ao facto do aquecimento global ser hoje um dado adquirido entre os climatologistas. Ora, não só a revista Times não é uma revista científica, como em 1974 não existia consenso científico sobre o clima no futuro. E não existia consenso porque era impossível haver consenso dado o número reduzido de trabalhos científicos efectuados até à altura. A produção científica na área da climatologia desde 1974 até aos dias de hoje foi multiplicada por mil, os orçamentos dedicados à investigação idem. Mesmo que tivesse existido um consenso científico em 1974, não se poderia falar em consenso flutuantes, porque a disparidade da significância estatística dos resultados é abismal, não se podem colocar ao mesmo nível de discussão resultados sobre a mesma coisa um com uma barra de erro de 100 e outro com uma barra de erro de 0,01. É aqui que o texto do Insurgente revela ignorância, é o mesmo que eu dizer que existe uma flutuação de consensos sobre a forma da Terra. Há três milénios atrás havia um consenso de que a Terra era plana (apesar dos cépticos apologistas da Terra em forma de carapaça da tartaruga) e hoje sabemos que é aproximadamente esférica. No século XV havia um consenso de que a Terra estava no centro do sistema solar e hoje o consenso é de que somos apenas o terceiro planeta a contar do Sol. O facto de em certas épocas em que o conhecimento era muito mais limitado do que hoje se tivessem optado por teorias erradas isso não quer dizer que existirão eternamente flutuações de consenso sobre os mesmos assuntos. Não voltarão a existir consensos que darão a Terra como plana, nem consensos que colocarão a Terra no centro do sistema solar, tal como não existirão consensos de um cenário de pequena idade do gelo numa época de alta concentração de dióxido de carbono.

Depois o texto insiste no erro, continua a referir o trabalho de Bjørn Lomborg (o ecologista céptico), que apesar de ser um trabalho sério incorreu em vários erros de palmatória prontamente denunciados nas revistas científicas internacionais mais relevantes. Lomborg não é climatologista, nunca publicou numa revista científica da especialidade, o que contribuiu para que nunca tenha admitido alguns dos erros do seu trabalho. O estudo de Lomborg de 2004 foi baseado nalguns dos seus erros, por isso não espanta que o resultado do seu trabalho estivesse também errado. Aos economistas citados cabia apenas fazer um estudo baseado nos dados de Lomborg, independentemente de estarem certos ou errados. Se se baseassem em dados sugeridos pela generalidade dos cientistas que ganharam prémios Nobel (os Nobel da NASA ou o europeu Georges Charpak por exemplo) o estudo seria completamente diferente e os resultados mais de acordo com a realidade. E a realidade científica o que diz é que cada dia que passa sem se tomarem iniciativas para travar o aquecimento global, implica um aumento de custos que não é proporcional no tempo, mas sim exponencial. Ou seja, cada dia sem fazer nada é uma derrota nessa batalha. Outra coisa básica que nos diz a ciência é que apesar de os custos associados a catástrofes ecológicas (inundações, fogos, períodos de seca, etc.) serem extremamente difíceis de prever quer em termos de perdas humanas quer em perdas económicas, sabemos que estes serão bem mais elevados comparativamente a qualquer custo actual de medidas de combate ao aquecimento global.

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